segunda-feira, 5 de novembro de 2012

UMA HISTÓRIA COMO POUCAS...

histórias


Ela era a caçula entre os sete irmãos homens. Com o pai formavam um exército de oito brutos, que arrancavam a comida da terra pouca e alheia que todos cultivavam com as mãos e o suor, inclusive ela.
A ignorância era a marca registrada de toda a família, menos da mãe, que, embora também não tivesse estudo, sabia o quanto era importante saber ler e escrever para ser gente.
Mas o trabalho era muito... Acordar antes do sol e dos homens para ajudar a preparar a rala boia. Com eles, ir para a pequena roça e, às 10 horas, comer a comida já fria e sem gosto. Voltar às quatro da tarde e lavar a casa, a roupa e a si própria. Ao término de tudo, se jogar na cama, literalmente morta de cansaço físico e espiritual.
Faltava-lhe algo, ela tinha certeza. Mas o quê? Ela não sabia palavras que pudessem expressar o que sentia. Era isso!... PALAVRAS.
Quando comunicou sua decisão de ir para a escola, pela primeira vez, aos 12 anos, o pai enfezou, os irmãos riram e a mãe chorou por todas aquelas reações. Elas, no entanto, Não se sentiu ameaçada.
Juntou as roupas ralas no saco de papel da mercearia e partiu sem olhar para a casa envolvida na escuridão da madrugada.
Depois de dormir na calçada de terra na frente da escola, viu quando a mulher que chamavam de diretora chegou. Foi falar com ela. Queria se matricular e se a diretora dissesse que podia,  ia procurar o emprego que precisava naquela cidade poeirenta que o progresso esqueceu de procurar. A diretora se comoveu e escolheu aquela magricela sardenta, de olhos esbugalhados, como babá de sua criança recém-nascida.
Mas, ainda assim, as coisas não ficaram fáceis.
Ela era uma estranha em sala de aula. Porque era a mais velha e mais alta da turma, foi relegada à última fileira, na carteira do canto escuro. assustada como bicho acuado, não cativou a professora, que vira e mexe a chamava de caipira e desajeitada, nomes que, definitivamente, afastaram os possíveis amigos... que nunca teve. Dias difíceis de muitas lágrimas engolidas a seco.
Mas ela era forte! Uma gigante de pouco mais de um metro de altivez.
Foram muitos dias de brincadeiras com a criança herdada e mais noites duras de estudos. Os anos perdidos pareciam irrecuperáveis... Pareciam!
Este ano ela se forma professora, de Português. A criança a qual cuidou saiu da cidadezinha o mês passado e foi para a capital atrás do seu sonho de ser médica. Segui o exemplo da tutora.
Não faz tanto tempo, Maria, como tantas Marias-modelo, voltou à pequena propriedade onde a família ainda mora. A mãe já não existe, mas a vizinha diz que ela morreu feliz, no tanque, porque uma de suas crias iria ser gente.
O pai, que proibiu sua figura por aquelas terras por tantos anos, ofendido que ele estava por aquilo que ele considerava desacato, agora é só orgulho. Já comprou até camisa nova para a formatura. Os irmãos pedem ajuda para alfabetizar os sobrinhos que são muitos...
Agora é ela quem sorri.

Por Alzira Gonçalves da Silva.

Mais uma história par se refletir.
Quantas Marias ainda existem por este mundo, espalhadas e relegadas à falta de possibilidades, na miséria humana que ainda é alarmante...
Mas quantas encontram forças para reavivarem seus sonhos e torná-los tão reais quanto a falta de perspectivas.

BOA LEITURA A TODOS QUE POR AQUI PASSAREM...

terça-feira, 2 de outubro de 2012

O que acontece com a educação brasileira é catastrófico (Rubem Alves)

Escola da Ponte Países desenvolvidos já vem há algum tempo desenvolvendo um novo método de ensinar nas escolas. São as chamadas escolas livres ou democráticas. Nessas escolas não há grades curriculares. Cada aluno escolhe o que quer estudar e o faz no seu próprio tempo, claro que sempre tendo o auxílio de um docente da escola.

Pena que em nosso país haja tão pouca liberdade para os pais escolherem o que é melhor para os seus filhos em se tratando de educação escolar. As poucas exceções que temos no Brasil são as escolas Montessori e as Waldorf que, por serem particulares, não têm como atender a todas as camadas da população.

Rubem Alves, numa entrevista, diz que a pior coisa que ele conhece na educação é a tal de “grade curricular”, ou, segundo ele, “Os nossos programas (escolares) seguem o modelo da linha de montagem: todos devem aprender a mesma coisa, no mesmo momento, na mesma velocidade.”

Crianças não são peças de uma linha de montagem, portanto o nosso sistema educacional está fadado ao fracasso como as estatísticas vem demonstrando. O mundo mudou e o sistema educacional continua o mesmo. Aff!

Abaixo vejam uma parte do projeto educativo de uma escola portuguesa situada em Vila das Aves, a cerca de 30 quilômetros da cidade do Porto, que segue o sistema escola livre.

Projeto educativo da Escola da Ponte

SOBRE ALUNOS E CURRÍCULO

1 - Como cada ser humano é único e irrepetível, a experiência de escolarização e o trajeto dedesenvolvimento de cada aluno são também únicos e irrepetíveis.

2 - O aluno, como ser em permanente desenvolvimento, deve ver valorizada a construção da sua identidade pessoal, assente nos valores de iniciativa, criatividade e responsabilidade.

3 - As necessidades individuais e específicas de cada educando deverão ser atendidas singularmente, já que as características singulares de cada aluno implicam formas próprias de apreensão da realidade. Neste sentido, todo o aluno tem necessidades educativas especiais, manifestando--se em formas de aprendizagem sociais e cognitivas diversas.

4 - Prestar atenção ao aluno tal qual ele é; reconhecê-lo no que o torna único e irrepetível, recebendo-o na sua complexidade; tentar descobrir e valorizar a cultura de que é portador; ajudá-lo a descobrir-se e a ser ele próprio em equilibrada interação com os outros - são atitudes fundadoras do ato educativo e as únicas verdadeiramente indutoras da necessidade e do desejo de aprendizagem.

5 - Na sua dupla dimensão individual e social, o percurso educativo de cada aluno supõe um conhecimento cada vez mais aprofundado de si próprio e o relacionamento solidário com os outros.

6 - A singularidade do percurso educativo de cada aluno supõe a apropriação individual (subsecutiva) do currículo, tutelada e avaliada pelos orientadores educativos.

7 - Considera-se como currículo o conjunto de atitudes e competências que, ao longo do seu percurso escolar, e de acordo com as suas potencialidades, os alunos deverão adquirir e desenvolver.

8 - O conceito de currículo é entendido numa dupla asserção, conforme a sua exterioridade ou interioridade relativamente a cada aluno: o currículo exterior ou objetivo é um perfil, um horizonte de realização, uma meta; o currículo interior ou subjetiva é um percurso (único) de desenvolvimento pessoal, um caminho, um trajeto. Só o currículo subjetiva (o conjunto de aquisições de cada aluno) está em condições de validar a pertinência do currículo objetivo.

9 - Fundado no currículo nacional, o currículo objetivo é o referencial de aprendizagens e realização pessoal que decorre do Projeto Educativo da Escola.

10 - Na sua projeção eminentemente disciplinar, o currículo objetivo organiza-se e é articulado em cinco dimensões fundamentais: linguística, lógico-matemática, naturalista, identitária e artística.

11 - Não pode igualmente ser descurado o desenvolvimento afetivo e emocional dos alunos, ou ignorada a necessidade da educação de atitudes com referência ao quadro de valores subjacente ao Projeto Educativo.

Fonte: http://escoladaponte.com.pt/documen/concursos/projecto.pdf

Segundo a Alternative Education Resource Organization (http://www.educationrevolution.org/) , existem no mundo milhares de escolas livres desde as décadas de 1960 e 1970.

A AERO é o principal recurso para famílias que procuram por alternativas educacionais, iniciadores de centros de recursos/escola e pesquisadores de educação alternativa.

A missão do AERO é ajudar a conectar pessoas e grupos e compartilhar idéias relacionadas com a educação alternativa. O objetivo é ajudar as pessoas ao redor do mundo com experiências em educação centrada no aluno.

Saiba mais no site da AERO ou digitando num buscador: schools without grades.

Imagem: pedagogiaaopedaletra.com

sábado, 8 de setembro de 2012

AINDA HÁ ESPERANÇAS?






Sempre as mesmas questões que acabam se tornando questiúnculas quando, na verdade, deveriam levar este assunto a sério.

Eu queria, ainda, acreditar em tudo o que leio, mas nem sempre é viável e conveniente.

Que acredita em tudo acaba por cair em ciladas... principalmente aqueles que já levaram muitas surras da vida, na sua luta do dia-a-dia.

Lendo uma reportagem sobre EDUCAÇÃO, ainda esta semana, deparei-me com uma pesquisa que falava DO OTIMISMO DO BRASILEIRO EM RELAÇÃO AO FUTURO DA EDUCAÇÃO.
Dizia a matéria que os brasileiros são os mais otimistas acerca do futuro educacional do país para os próximos dez anos. Parece-me que estou tendo um dèjá vu ou que já vi este filme em tempos passado.



" É o que aponta a pesquisa Olhares sobre a Educação Ibero-Americana, divulgada nesta quinta-feira pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI). O levantamento entrevistou mais de 22 mil pessoas em 18 países da região. Nos países das Américas Central e do Sul, a população acredita que a educação irá melhorar na próxima década, mas muitos cidadãos ainda dão "nota vermelha" para os sistemas locais de ensino."

Engraçado, brasileiro é otimista mesmo!!! E olha que os brasileiros são os que tem a pior avaliação da qualidade do ensino público.

Pois é! Cada qual é otimista naquilo que quer ser. Vamos fazer valer o ditado - A ESPERANÇA É A ÚLTIMA QUE MORRE.

Também queria acreditar numa melhora EDUCACIONAL, mas a vejo falir a cada dia.

Há cinco anos fora de salas de aula por determinação médica, pois como sabem perdi uma das visões e estou em baixa na outra, o que tenho acompanhado são as degradações altíssimas de todos os lados - FAMÍLIA/EDUCADOR/EDUCANDO/POLÍTICAS EDUCACIONAIS.

Onde vamos parar? Sinceramente não sei!!!

Apenas queria cultivar e exteriorizar este OTIMISMO peculiar do nosso POVO que pensa sempre no melhor, porém não corrobora para tais feitos.

O relatório está disponível em espanhol aqui - http://www.oei.es/miradas2012.pdf

Leiam e reflitam!!!

Abraços!


segunda-feira, 4 de junho de 2012

ESCOLA... ESCOLA... HISTÓRIAS...HISTÓRIAS...



No final doa anos 90, mais precisamente em 1997, o governo do Estado de São Paulo, junto à Secretaria Estadual de Educação, lançou uma coletânea de belas histórias de professores. Era produto de um desafio lançado à ESCOLA PÚBLICA, na época.

Os professores deram a resposta, mostrando a qualidade do trabalho das salas de aula, do seu dia-a-dia de mestres e que, apesar de todos os percalços é sempre possível fazer a diferença.


Muitos deles ainda permanecem em salas de aulas, outros já se aposentaram, mas suas histórias se eternizam, ecoam pelos cantos e pelos corações daqueles que sabem que EDUCAR é mais que uma profissão.

Um volume de AMOR, CARINHO, AFEIÇÃO pela ARTE da EDUCAÇÃO.

Hoje deixo aqui a história de Ana Maria da Costa - professora, nesta data, da EEPSG "Anhanguera" - Capital

UM PÉ NA ÁFRICA E O CORAÇÃO TAMBÉM

A sala de aula era clara. Quatro janelas grandes, sujas, com alguns vidros quebrados. Lousa bem colocada, escrivaninha normal, desas que não cabe nada daquele monte que a gente carrega. Poderia ser uma escola pública qualquer de São Paulo ou de outro lugar, não fosse pelos alunos que me olhavam. A grande maioria negra; dos tons de pele mais variados do negro-negro ao achocolatado e enormes olhos atentos. O restante dos alunos era descendente de indianos ou mulatos. Todos atentos.
Fazia mais ou menos uns quatro meses que eu estava em Maputo, capital de Moçambique. Por algum tempo, andei vazia e estrangeira pela minha terra. Para encontrar algum sentido, mudei de país.
Sonhei, sonhava e sonhava com a África, com suas Savanas e, mais ainda, com a utopia de um povo que se reconstrói.
Aproximadamente uns quarenta olhos me olhavam quando entrei na sala de aula; maiores do que o normal, curiosos e observadores. Negros olhos da negra África. Misteriosos. Perscrutaram-me.
Estranhei a organização impecável dos alunos e o silêncio pairante.
Desde que assumira as aulas de Língua Portuguesa dos alunos de uma escola técnica do segundo grau em Maputo incomodava-me desenvolver o conteúdo do planejamento fornecido pelo outro professor e avalizado pelo Ministério da Educação. O conteúdo era idêntico ao programa brasileiro para o segundo grau na área de Língua Portuguesa: teoria da comunicação, signos linguísticos, funções da linguagem e por aí afora. Genialíssimo processo da abstração para quem tem o domínio da língua.
Eu percebia que, durante as exposições das aulas, a rapaziada olhava-me com simpatia (eu os fazia rir), mas aquilo que era explicado, desastre! Eles mantinham uma postura corporal estranhamente imóvel, bastante incômoda para mim. Com o tempo aprendi ser uma forma de resistência.
Ao longo das semanas de trabalho, passados o primeiro impacto e a primeira estranheza quanto à língua, posturas, atitudes, problemas na comunicação, descobrimo-nos como amigos curiosos. Que delícia!
Conversávamos sobre nossas culturas. Senti liberdade para discutir com uma turma do curso de Mecânica, por quem eu sentia muito carinho, o problema do conteúdo da Língua Portuguesa.
Eu argumentava sobre uns problemas que dificultavam o processo ensino-aprendizagem; todos sentiam uma imensa dificuldade para compreender os conceitos trabalhados ou, pior, não entendiam nada. Alguns alunos, em função de term excelente memória (relacionada a tradição oral), reproduziam falas inteiras, sem compreensão alguma. O problema maior, no entanto, era o fato de a maioria dos alunos não dominar a língua portuguesa. O léxico era pobre e muitos alunos simplesmente não falavam. Sorriam somente.
Tivemos conversas sobre isto; conversas sérias e frequentes. Os que eram desinibidos e mais falantes argumentavam sobre a necessidade de eu trabalhar o programa estabelecido. Eu dizia que nós podíamos mudá-lo, buscando uma maneira de trabalhar a língua que fosse mais rica, dinâmica e participativa. E vivia um tanto quanto desanimada e meio pesada. Mal sabia que aquilo que vinha acontecendo já fazia parte de um processo.
Nesta manhã de céu azul, quando entrei em sala sob os olhares atentos de meus alunos, fui surpreendida. Talvez tenha ganho um desses presentes que só professor entende.
O mais velho dos mais velhos dos alunos daquela classe pediu licença para falar. Disse-me: "A senhora professora está a a olhar a classe organizada. Cada fileira de aluno tem um representante, que é o mais velho desse grupo e irá organizar a equipe. Eu sou o representante de todos porque sou o mais velho." Prosseguiu: "Sabe, senhora professora, temos estado preocupados com tudo o que a senhora vem dizendo sobre as aulas de Língua Portuguesa. Faz uma semana que estamos a conversar sobre os seus argumentos. Queremos saber qual a sua proposta. Ouviremos. Se gostarmos aceitaremos mudar".
Imaginem o meu espanto. Maravilhosa, encantadora, surpreendente e sábia cultura desse negro povo. Por dentro, eu não tinha sangue, tinha a corredeira de um rio nas veias e um nó na garganta que me deixou muda por longos segundos. Quantos mil pensamentos tive: a compreensão do que acontecia, a emoção e o respeito por todos aqueles olhos luminosos...
Amei-os. Juntos aprendemos a construir nossas aulas.
Parece pouco?

Este é um texto que nos mostra o quanto muitos EDUCADORES podem fazer a diferença e que o professor nada mais é do que um grande mediador, mas que para acontecer esta mediação tem que existir senso, consenso e muita, mais muita sabedoria.

Boa leitura a todos.

Abraços

Malu

sábado, 28 de abril de 2012

Razões para tirar um filho de uma escola Waldorf - Parte final

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Ambiente irreal

Sim, as escolas Waldorf apresentam aos seus alunos, desde o jardim da infância (horrorosamente denominado fora delas de "educação infantil") um ambiente que não é o comum. Um exemplo trivial: vá-se a qualquer festa de uma escola Waldorf digna dessa denominação, por exemplo uma festa junina, ou um bazar natalino (onde o mais importante para se ver é a exposição dos cadernos e trabalhos dos alunos de todas as classes – é mais interessante do que um museu, pois reflete de maneira viva o amadurecimento progressivo das crianças e adolescentes). Nessas festas, observe-se o ambiente tranquilo, sem uso de alto-falantes berrando e agredindo os ouvidos dos presentes, tão comum em outras escolas. Com esses sistemas de som só se pode conversar gritando. Observe-se ainda a decoração artística, sem figuras monstruosas ou caricatas, como é tão comum nos ambientes onde não há sensibilidade artística. Para outra demonstração de como o ambiente das escolas Waldorf é incomum, visitem-se algumas classes, começando pelos jardins de infância; nessa visita, qualquer um sente vontade de ser criança novamente! Nos ensinos médio e fundamental as paredes das classes são decoradas com trabalhos artísticos dos próprios alunos, bem como com pinturas de grandes artistas. Há também decoração com cristais e nos primeiros anos há sempre o ‘cantinho da época do ano’ etc.

Esse ambiente das escolas Waldorf é incomum justamente pelo fato de ser artístico e sadio. Agora deve-se perguntar: quem está errado, o método Waldorf ou os outros? Qual o ambiente que se deseja para crianças e jovens?

O mundo está cada vez mais agressivo. O ataque à infância e à juventude, que no meu entender começou na década de 1950, está cada vez mais intenso. Neste momento em que estou escrevendo a primeira versão deste artigo, tenho à minha frente o caderno Metrópole do jornal O Estado de São Paulo de hoje, domingo 1/8/10. No artigo "Autoexibição de adolescentes na web ganha audiência e desafia autoridades", ocupando as pp. C1 e C3 inteiras, há extensa reportagem sobre a exibição de adolescentes em frente a câmeras trasmitindo-os pela Internet para sites de relacionamento, enquanto se despem ou até se masturbam, ignorando o perigo que correm e como o erotismo não é sadio nessa idade. Como bem chamou a atenção Gregory Smith no livro já citado, crianças e adolescentes simplesmente são todos ingênuos (Smith 2009). Aquilo que venho declarando e escrevendo há dezenas de anos desde o início do uso do computador e da Internet por crianças e jovens está cada vez mais patente: esses meios não são para crianças e adolescentes, pois exigem um discernimento muito grande do que é correto ou falso, do que é belo ou feio, do que é bom ou mau, bem como do que é apropriado a cada maturidade e cultura. Além disso, exigem uma enorme autodisciplina (que crianças e adolescentes não têm), pois são extremamente atraentes e viciantes. O ambiente das escolar Waldorf não incentiva o uso desses meios eletrônicos, incluindo a TV e os terríveis video games. Pelo contrário, uma escola Waldorf digna desse nome reconhece os malefícios que esses meios representam para os seus alunos e procura desencorajá-los a os usarem, alertando explicitamente os pais sobre os problemas que podem decorrer de sua utilização.

O que os pais desejam para seus filhos: um ambiente ideal, sadio, sensível, artístico, altamente social e amoroso, ou um ambiente agressivo, brutalizado, monstruoso (veja-se a admiração pelos horríveis dinossauros), antiartístico, mostrando com figuras de histórias em quadrinhos uma caricatura do mundo, levando a um desrespeito pelo mesmo? Se o mundo está torto, criemos um ambiente contrário a ele para nossas crianças e adolescentes, tanto na escola como no lar. O argumento padrão nesta altura seria: "Mas é impossível impedir que nossos filhos tenham contato com essas coisas horrorosas!" Pois compare-se o tempo de uso desses meios no lar e na escola, se eles estiverem disponíveis nesses ambientes, com o seu uso na casa de amiguinhos ou em outros ambientes, como as Lan Houses (cujo uso deveria ser proibido pelos pais!). O segundo tempo será muitíssimo menor do que o primeiro. Além disso, em termos de uso do computador e da Internet no lar, é facílimo controlá-los: é só não dar a senha de acesso e só ligar o computador para usos especiais. Só há uma maneira de controlar efetivamente o uso da Internet pelos filhos: ficar ao lado deles. Reconheço o problema de se fazer isso com adolescentes, mas talvez se fossem mostrados todos os perigos e males que podem advir do acesso (ver os já citados Smith 2009 e Setzer 2010), eles compreenderiam e se deixariam controlar. Com adolescentes, é fundamental explicar os problemas e citar casos dos desastres provocados pela Internet. O problema principal é o acesso livre, o que já acontecia com a TV. Mas os piores casos ocorrem quando esses meios encontram-se no quarto de dormir dos filhos, bem como com telefones celulares, smartphones e similares com acesso à Internet, pois nesses casos não há absolutamente nenhum controle. No caso dos celulares, nem há a possibilidade de se instalar software de controle de acesso e de monitoramento daquilo que foi usado na Internet. O uso desse software é a principal recomendação de Gregory Smith (Smith 2009) que, como acontece em geral, simplesmente não tem coragem de levar suas corretas observações às últimas consequências e dizer que a Internet não é para crianças e adolescentes.

(...) As escolas Waldorf representam hoje em dia talvez o maior ninho protetor escolar existente. Quando os jovens tiverem maturidade, sairão do ninho sem problema, tendo a capacidade de reconhecer o que é falso, feio e mau e terão segurança, energia e força de vontade para enfrentá-los. Manter os filhos no ensino médio Waldorf significa adiar essa saída até os 18 anos, quando eles já terão suficiente maturidade para enfrentar e reconhecer as misérias do mundo.

Não é o ambiente das escolas Waldorf que é irreal, pelo contrário, ele é impregnado de uma profunda realidade sobre o que significa o desenvolvimento sadio de uma criança e de um adolescente; é o ambiente fora delas que é em geral irreal frente ao que os jovens necessitam.

Problemas adicionais do ensino tradicional

Um dos principais problemas do ensino tradicional é a tensão que ele provoca em crianças e adolescentes, sempre com o perigo de serem punidos, tirarem notas baixas e serem reprovados. É absolutamente necessário que se compreenda que as notas são o que chamei há dezenas de anos de "varinha de marmelo moral". Quando se dava um castigo físico para um aluno, ele podia sofrer no momento, mas com o tempo iria esquecer o ocorrido. As notas, quando são baixas, são verdadeiros castigos morais indeléveis, pois ficam registrados para sempre. Na falta de habilidade do professor para despertar em seus alunos um entusiasmo pela matéria, ele usa a varinha de marmelo moral para forçar os alunos a estudar. Mas quem estuda sem interesse e entusiasmo acaba sempre frustrado e com dificuldade de estudar.

Pergunto aos leitores: quem se lembra do que aprendeu no ensino médio? Garanto que as lembranças são impressões, e não os detalhes que eles tiveram que saber para tirar boas notas nas provas. Então, por que tiveram que estudar para elas, e passar pela tensão que passaram? O que sobrou foi um amadurecimento, uma técnica mental, uma vaga lembrança, e não todos os detalhes que tiveram que saber ou mesmo decorar. Mas amadurecimento e técnica mental é justamente o que não se pode medir com provas. Adolescentes ainda não estão suficientemente maduros para enfrentar a frustração de tirar notas baixas e a tensão que passam antes das provas e com a perspectiva de serem reprovados.

E por falar em reprovação, observe-se a sabedoria do ensino totalmente continuado das escolas Waldorf, existente desde 1919, e como ele funciona maravilhosamente. Ele não funciona fora dessas escolas simplesmente por que os professores e pais não foram preparados para esse sistema, proposto pela UNESCO justamente baseado na experiência da pedagogia Waldorf. Uma das principais razões é que os professores raramente sentem amor pelos seus alunos, algo que justamente não é ensinado nos cursos de pedagogia e de licenciatura. Steiner afirmou o seguinte:

"As três regras de ouro da arte de educar e de lecionar que, em cada professor, em cada educador, devem ser disposição total, impulso total para o trabalho, que não podem ser concebidas simplesmente de maneira intelectual, mas devem ser apreendidas a partir do ser humano global, devem ser: [1] Gratidão religiosa frente ao cosmo que se manifesta na criança, [2] unida à consciência de que a criança representa um enigma divino, que se deve solucionar mediante a arte de ensinar. [3] Praticar com amor um método de ensino pelo qual a criança se educa instintivamente junto a nós, de modo que não se ameace a sua liberdade, que deve ser considerada também onde se encontra o elemento inconsciente da força orgânica de crescimento." (Steiner 1979, palestra de 19/8/1922, p. 75; minha tradução e numeração.)

Um outro fator é o desconhecimento que os professores têm do que se passa no íntimo dos jovens em cada idade, o que é dado pelo conhecimento do desenvolvimento estabelecido por Rudolf Steiner, uma das bases que distingue a pedagogia Waldorf de outros métodos. Com esse conhecimento, o professor pode apresentar a matéria de maneira adequada para a idade, facilitando o entusiasmo dos alunos.

A respeito do interesse dos alunos pela matéria, ele disse:

"Se o erotismo assume entre os jovens uma importância desmedida, a culpa é dos professores, que são medíocres e não sabem despertar o interesse. Se as crianças não têm interesse pelo mundo, o que lhes resta para pensar? Quando se fala de maneira enfadonha na aula de matemática ou de história, só lhes resta pensar no que se passa em seu corpo – no coração, no estômago e nos pulmões. Isso pode ser evitado se desviamos o interesse dos jovens para o mundo; isso é sumamente importante. Se o erotismo predomina, se recebe uma atenção excessiva enquanto as crianças estão na escola, toda a culpa cabe à escola." (Steiner 1978, palestra de 21/6/1922, p. 15)

(...) Finalmente, vou mencionar um aspecto que talvez toque alguns pais. Além da falta de um conhecimento profundo sobre a natureza íntima do jovem, há uma outra praga que assola o ensino tradicional: o materialismo dos professores. Por materialismo entendo uma concepção de mundo que admite nele exclusivamente a existência de matéria e energia físicas, bem como apenas de processos físicos. Uma pessoa é materialista se somente pensa nesses termos. A grande maioria da humanidade com uma certa cultura é hoje em dia materialista, o que é perfeitamente natural, pois a humanidade tem que passar por essa visão de mundo para poder chegar consciente e livremente a uma visão muito mais ampla e profunda, espiritualista, como a dada por Rudolf Steiner em sua Antroposofia. Em particular, o ensino médio e universitário padrões são profundamente materialistas, o que em geral torna os jovens adeptos dessa concepção. As escolas Waldorf não ensinam espiritualismo, e devem apresentar no ensino médio a visão materialista corrente, na filosofia, na história e nas ciências. No entanto, isso deve ser feito de maneira crítica, por exemplo dando-se a teoria da evolução neodarwinista como ela é, uma teoria, e não como uma verdade. Em especial, é fundamental que se apresentem as questões em aberto dessa teoria (como o aparecimento da fala humana, o fato de o corpo humano não ter pelo ou couro etc.) e os problemas que ela apresenta (como os cálculos recentes mostrando que não houve tempo suficiente para mutações coordenadas e o resultante aparecimento de novas espécies, como é o caso do período denominado de 'explosão cambriana'). Na Física, deve-se mostrar, por exemplo, que não se sabe o que é um átomo: como já citado em 3.1, ele não é um sistema planetário, se bem que esse modelo serve para certos fins, como por exemplo para se lidar com elementos e combinações químicos. É absolutamente fundamental que se esclareçam os alunos sobre o que é a modelagem matemática e suas limitações, e como esse método tornou-se o padrão científico moderno. Nada disso é feito no ensino tradicional, pois há uma intenção consciente ou inconsciente de se endeusar a ciência, sem mostrar seus problemas e limitações. A intenção subjacente é a de induzir uma mentalidade materialista.

(...) Apesar de não ensinarem espiritualismo, as escolas Waldorf querem produzir jovens com pensamentos flexíveis e com sensibilidade, de modo que não sejam acorrentados irremediavelmente ao materialismo. Por sua própria evolução, talvez alguns deles cheguem mais tarde a um espiritualismo moderno, sem dogmas e sem crenças. Uma educação exaltando a ciência materialista é certamente um obstáculo para esse passo.

Fonte: http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/tirar-de-waldorf.html

Imagem: comshalom.org

sábado, 14 de abril de 2012

A ARTE COMO RECURSO PEDAGÓGICO...



A ARTE é a grande janela para o MUNDO!!!
Ela cura!
Ela cria!
Ela faz viajar por uma estrada cheia de possibilidades!
A linguagem subliminar da ARTE tem o poder cortante de extrair da humanidade as mais variadas sensações e sensibilidades.

E foi pensando assim que o professor Rui Ribeiro de Campos, com experiência de 25 anos no Ensino Médio, passou a utilizar-se de recursos pedagógicos associados à ARTE.
Descobriu a importância de introduzir a música, literatura e filmes em conteúdos de geografia, tornando a assimilação da matéria muito mais agradável e eficaz.
Mas para apropriar-se desta forma de ensinar é preciso ser criterioso sempre e fazer constantes pesquisas para trabalhar com as analogias corretas. Tudo tem que ser planejado antecipadamente e escolhido da maneira mais adequada, para só então introduzir a ARTE como uma aliada pedagógica em sala de aula.

Eis aqui algumas colocações deste MESTRE à Fátima Schenini:

Doutor em geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, mestre em educação pela PUC de Campinas, Campos é graduado em filosofia e em geografia e tem licenciatura curta em estudos sociais.


Jornal do Professor — Há assuntos que se adequam mais ao uso de letras de músicas ou há letras para todos os temas de geografia? 



Rui Ribeiro de Campos — Não sei se existem letras de músicas para todos os temas. É necessário pegar um tema e pesquisar letras sobre o mesmo. Mas diversos temas têm letras de músicas que podem ser usadas. Para discussão sobre a nação brasileira, por exemplo, temos, entre outras, Kizombaa Festa da Raça (Rodolpho, Jonas e Luiz Carlos Silva), Positivismo (Orestes Barbosa e Noel Rosa), Bem Brasil (Premeditando o Breque), Querelas do Brasil(Maurício Tapajós e Aldir Blanc) ou Cara do Brasil (Celso Viáfora e Vicente Barreto). Sobre o período da ditadura,Calabouço (Sérgio Ricardo), Sabiá (Tom Jobim e Chico Buarque), Capitão (Joyce e Fernando Brant), Apesar de Você eDeus lhe Pague (Chico Buarque), Cálice (Gilberto Gil e Chico Buarque), Sina de Lampião (Sérgio Ricardo), Pesadelo(Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro), Angélica (Miltinho e Chico Buarque), O Patrão Mandou (Paulinho Soares),Inútil (Roger Moreira), O Bêbado e a Equilibrista (João Bosco e Aldir Blanc) e muitas outras. Em cada região pode ser estimulada a composição de raps pela turma da sala de aula, principalmente para retratar a realidade dos alunos. Sobre a água ou a questão ambiental, desde Medo da Chuva (Raul Seixas), Planeta Água (Guilherme Arantes) eÁguas de Março (Tom Jobim), até Chuá, Chuá (Pedro Sá Pereira e Ary Pavão) ou Cai Água, Cai Barraco (Álvaro, Bruno, Miguel, Sheik e Coelho). Sobre o Pantanal, há Chalana (Mário Zan e Arlindo Pinto), Terra dos Sonhos e Peão (ambas de Almir Sater e Renato Teixeira). A citação seria longa se incluirmos o preconceito (principalmente através de marchinhas de Carnaval), o espaço religioso, a semiaridez do Nordeste brasileiro, a questão da posse da terra no Brasil e outros temas. 


— O senhor também defende o uso de filmes ou vídeos nas aulas de geografia. Por quê? Poderia citar alguns exemplos de filmes que podem ser usados, relacionando-os a conteúdos de geografia da educação básica?

— A arte é um recurso pedagógico importante. O ensino pode ser ilustrado ou até melhor compreendido por meio de textos literários, poesias e filmes. O cinema tem a vantagem de poder usar várias formas de linguagem pelas outras artes. Consegue, dessa maneira, comunicar-se com profundidade e envolvimento. Ele se constitui em uma fonte de cultura e informação. Não é o filme um substituto de professores, nem seu uso pode ser aleatório. É algo importante como recurso para a aprendizagem e, por isso, deve-se sempre refletir sobre sua utilização. Pode ser usado para criar condições de conhecimento maior da realidade e para uma reflexão mais profunda. A quantidade cada vez maior de documentários e de investigação científica de boa qualidade torna desejável a utilização do filme como um instrumento de complementação e ou substituição do material pedagógico tradicional. Mas é necessário ter critério para usá-lo. Não somente para estar em dia com a modernidade. Não deve ser usado como mais uma ilusão, como algo novo, mas que não diz nada. O filme, quando é o comum, tem um empecilho: é longo. Pode ser mais útil na forma de documentário ou curta de ficção. Pode ser usado de acordo com o conteúdo estudado. Exemplo: Dersu Uzala (1975, URSS-Japão; direção: Akira Kurosawa); O Dia Depois de Amanhã (The Day After Tomorrow, 2004, EUA; direção: Roland Emmerich); Queimada! (Quemada! ou Burn!, 1969, Itália-França; direção: Gillo Pontecorvo); Tempos Modernos (Modern Times, 1936, EUA; direção: Charles Chaplin); O Grande Ditador (The Great Dictator, 1940, EUA; direção: Charles Chaplin); Pra Frente Brasil (1983, Brasil; direção: Roberto Farias); Um Dia sem Mexicanos (One Day without Mexicans, 2004, EUA-México-Espanha; direção: Sérgio Arau); Gaijin — Os Caminhos da Liberdade (1980, Brasil; direção: Tizuka Yamazaki); Amazônia em Chamas (The Burning Season, 1994, EUA; direção: John Frankenheimer); Filhos do Ódio (Children of a Rage, 1977, Israel; direção: Arthur Allan Seidelman); Crianças de Gaza (Children of Gaza, 2010, Grã-Bretanha; direção: Jezza Neumann); Conrack (Conrack, 1974, EUA; direção: Martin Ritt); Machuca (Machuca, 2004, Chile-Espanha-Reino Unido-França; direção: Andrés Wood); Vozes Inocentes (Voces Inocentes, 2004, México-EUA-Porto Rico; direção: Luis Mandoki)  e outros.

— O senhor costuma usar músicas ou filmes com seus alunos universitários? Quais os resultados?

— Atualmente não tenho usado filmes em sala de aula no ensino universitário. Uso somente um ou outro documentário. A razão é a carência de tempo para ensinar o conteúdo. Normalmente, dou uma pequena lista de filmes e dois ou três devem ser assistidos pelos alunos, que têm de elaborar resenhas. Os resultados têm sido bons porque faço referência aos mesmos durantes as aulas. Escrevo sobre letras de músicas mais em razão de minha experiência por 25 anos no ensino médio, mas pouco as uso em sala de aula no ensino superior.

E para quem quiser saber de maiores detalhes pode acessar-http://portaldoprofessor.mec.gov.br/jornal.html


Uma boa leitura a todos aqueles que se preocupam com uma EDUCAÇÃO de QUALIDADE.

sábado, 7 de abril de 2012

Razões para tirar um filho de uma escola Waldorf – Parte 2

 

Valdemar W. Setzer

mercado de trabalho Exame dos argumentos

2) Falta de ênfase científica

Como já expus, a pedagogia Waldorf tem como missão preparar o aluno harmoniosamente em seus conhecimentos e habilidades intelectuais, artísticas e sociais.

Acontece que no ensino fundamental Waldorf o aprendizado é essencialmente fenomenológico, por vivências, e não abstrato, intelectual, o que pode dar uma idéia errada da pedagogia no ensino médio. Neste último, devem ser abordados os aspectos formais, teóricos, em todas as áreas. Isso se deve ao fato de a pedagogia Waldorf basear-se fundamentalmente no que é chamado de "estudo do ser humano" (Menschenkunde) de Rudolf Steiner, mostrando a evolução das crianças e jovens de acordo com a idade. O sucesso mundial da pedagogia Waldorf mostra na prática como ele estava correto. Segundo ele, somente depois da puberdade, idealmente aos 14-15 anos, o jovem tem seu pensamento desenvolvido para se dedicar a puras abstrações como são as explicações teóricas em qualquer campo. Se no ensino fundamental uma experiência de física era observada e descrita em todos os seus aspectos fenomenológicos, no ensino médio deve-se explicá-la com a teoria correspondente. É portanto no ensino médio que se deve desenvolver o intelecto abstrato dos alunos.

É fundamental entender que um desenvolvimento intelectual pode ser feito com pouca informação, concentrando-se em alguns aspectos essenciais de cada matéria científica. O vestibular exige um conhecimento muito amplo (mas muito menor do que se exigia quando eu o prestei, em 1958). Se as escolas Waldorf fossem cobrir todo o programa do vestibular, iriam ter que deixar de lado todo o resto da formação do jovem – como o fazem as escolas especializadas em vestibulares –, e não poderiam apresentar os tópicos científicos de maneira adequada para a maturidade do jovem em cada idade.

Pode ser que em alguma escola Waldorf o ensino intelectual seja fraco demais. Cabe aos pais exigirem que a escola trate esse ensino adequadamente. O currículo Waldorf estabelecido por Steiner é riquíssimo e muito profundo. Por exemplo, na matemática ele estabeleceu que se deveria estudar probabilidade, principalmente por que ela é muito usada; todos os dias os jornais trazem algum levantamento estatístico. Os pais deveriam verificar pelo currículo Waldorf se ele está sendo seguido, e exigir que o seja.

Para uma certificação da profundidade do desenvolvimento intelectual produzido pelas escolas Waldorf, basta examinar os magníficos trabalhos de conclusão de curso (TCCs) que os alunos fazem nos 12° anos, em geral expostos nos bazares natalinos. Tive uma experiência muito interessante em 1980, na escola Waldorf de Engelberg, perto de Stuttgart, então frequentada pelos meus filhos. Assisti a apresentações públicas dos TCCs dos formandos daquele ano: eram trabalhos e exposições tão interessantes e profundos que o grande teatro da escola, com 900 lugares, enchia-se de pessoas da redondeza que vinham aproveitar os ensinamentos transmitidos pelos alunos.

Alguns pais podem achar estranho que as escolas Waldorf dão muito pouca importância ao uso do computador e da Internet. Ocorre que não é necessário aprender a utilizá-los, pois seu uso está cada vez mais simples e autoexplicativo. Assim, qualquer pessoa os aprende simplesmente usando-os, e com poucas orientações de pessoas mais experientes. Pelo contrário, o uso da Internet por crianças e adolescentes é extremamente perigoso, pois todas elas são ingênuas (Smith 2009; veja-se também minha resenha dele "Como proteger seus filhos e alunos da Internet"). Vou estender-me sobre essa questão no item 4.

3) Preparo para o mercado de trabalho

Como foi exposto no item 3, o mais importante para um sucesso profissional são as habilidades sociais, e não técnicas. Nesse sentido, não há melhor preparo do que o feito nas escolas Waldorf. Rudolf Steiner estabeleceu a ausência de repetição de ano em parte para que uma classe começasse no 1º ano Waldorf e seguisse junta até o 12º ano. Imagine-se o que essa intensa convivência e conhecimento profundo de cada individualidade dos colegas significa do ponto de vista social. Imagine-se o grau de tolerância que deve ser desenvolvido para que cada um conviva harmoniosamente com seus colegas durante tantos anos, o que é orientado pelo professor de classe no ensino fundamental e depois pelo tutor no ensino médio.

Professores de classe e tutores cientes da necessidade de desenvolvimento social de cada aluno devem cuidar para que isso ocorra, por exemplo fazendo os alunos ajudarem-se mutuamente, promovendo jogos cooperativos, expondo biografias de pessoas ilustres que muito sofreram mas que conseguiram grandes realizações etc. Nos dias de hoje os impulsos antisociais são infinitamente maiores do que os da época de Steiner. Vejam-se, por exemplo, a falta de respeito dos jovens para com outras pessoas, incluindo as mais velhas, começando pelos seus pais, o aumento brutal da agressividade (como já dito, causado em grande parte pelos meios eletrônicos; veja-se o cap. 4, "Agressividade e comportamento antissocial" de meu artigo "Os efeitos negativos dos meios eletrônicos em crianças e adolescentes", Setzer 2010). Isso exige uma consciência muito maior dos professores no sentido do desenvolvimento social, do que tinham os da primeira escola Waldorf. Esse tipo de pedagogia apresenta o ambiente escolar ideal para isso, pois nela cada aluno é conhecido profundamente e tratado individualmente como pessoa humana e não como uma coisa à qual se atribuem notas que têm pouquíssimo ou mesmo nenhum significado humano. O tratamento individual de cada aluno também ajuda seu desenvolvimento social, pois ele se sente tratado com dignidade, um exemplo que ficará para o resto da vida.

Um caso específico de preparo para o mercado de trabalho são as apresentações públicas semestrais feitas pelos alunos e, principalmente, as peças teatrais do 8º e do 11º ou 12º anos, partes essenciais do currículo Waldorf. Nelas, crianças e jovens aprendem a enfrentar o público, a falar com dicção decente, a perceber como os colegas estão atuando e a reação do público, fora o preparo de todo o cenário feito pelos alunos.

Vou permitir-me citar alguns casos pessoais. Meu 3º filho, Michel, logo que terminou a Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo (EWRS) passou sem cursinho o vestibular para o Instituto de Matemática e Estatística da USP. Depois de um ano, sem ter repetido nenhuma matéria, o que é bem raro, resolveu que "tinha se sacrificado suficientemente" e resolveu atravessar a rua e ir fazer Administração de Empresas na Faculdade de Economia e Administração da USP (para isso, teve que fazer um cursinho; aliás, ele achou ótimo isso, pois completou sua formação básica). Antes de terminar o curso já tinha sido contratado por uma empresa (e tinha o problema de não poder se apresentar aos clientes como ainda aluno de graduação, pois isso deporia contra a empresa...), e aos 33 anos tornou-se vice-presidente da Oracle Corporation, a 2ª maior empresa de software do mundo, onde a tensão de trabalho era enorme, pois coordenava o trabalho de 200 consultores. Aos 36 anos, resolveu mudar totalmente e formou uma firma de construção de casas populares, com grande sucesso e para sua grande satisfação. Aliás, a maleabilidade profissional foi uma das constatações de um antigo estudo do Ministério da Educação alemão sobre ex-alunos Waldorf. Tenho certeza de que o sucesso profissional do Michel deveu-se em grande parte ao desenvolvimento social que ele teve na escola; ele tem uma incrível sensibilidade social. Por outro lado, minha filha menor Ariela, também ex-aluna de todo o curso da EWRS, formou-se em veterinária na USP, e depois fez lá um brilhante mestrado. Seu preparo intelectual na escola Waldorf, mais o cursinho, foram obviamente mais do que suficientes para sua carreira acadêmica. Para completar, minhas duas filhas mais velhas tornaram-se musicistas, uma tendo se graduado no Departamento do Música da USP e depois feito o seminário de formação de professores Waldorf em paralelo com mais uma graduação em música na Faculdade de Música (Musikhochschule), ambos em Stuttgart, e a segunda formou-se na faculdade de Música de Weimar. Ambas são professoras de música na Alemanha, sendo que a segunda teve que passar por uma seleção rigorosíssima para ser contratada pela escola de música de Heidelberg (conquistando uma das duas únicas vagas para violoncelo em escolas de música naquele ano, em toda a Alemanha), um caso demonstrando que quando é necessário competir, um jovem que não foi educado dentro dessa mentalidade adapta-se rapidamente a essa situação.

Fonte: http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/tirar-de-waldorf.html

Imagem: suaoportunidadedenegocio.blogspot.com

sábado, 24 de março de 2012

HISTÓRIAS DE PROFESSORES...


Se existe gente que tem história para contar são os professores. E são passagens das mais pitorescas - umas cheias de cores, beleza e alegria e outras com pontos obscuros e tristes - mas sempre há o que se contar porque em sala de aula acontece de tudo.

O estado de São Paulo lançou há muito tempo atrás um livro que trazia muitas histórias de sala de aula que nos transmitiam verdadeiras lições de vida.

A vida é mesmo assim - ensina por paradigmas, uns bons e outros não tão bons assim... aquela coisa - EU TAMBÉM PASSEI OU POSSO PASSAR POR ISSO...

Assim fez Gabriel Chalita, há um tempinho atrás lançou um livro: HISTÓRIAS DE PROFESSOR QUE NINGUÉM CONTOU.

Sua forma de organizar esta obra foi muito parecida com o livro do Rubem Alves - FESTA DE MARIA - Alves fez analogias e utilizou-se de metáforas entre as emoções e a comida, já Chalita fez uso de expressões do latim, para explanar sobre fatos que ocorrem na educação.

Muito felizes e sensíveis suas abordagens, mostrando que a EDUCAÇÃO é cheia de possibilidades e que para EDUCAR é preciso uma alma receptíva e aberta, e que o trabalho é, quase sempre, ÁRDUO.

Não sou tão fã assim deste homem que no fim de tudo tornou-se mais político do que EDUCADOR, mas com certeza ele possui seus méritos e qualidades, afinal todos possuem um caráter dotado de dicotomias.

Deixo aqui a sugestão de leitura e excertos do livro que muito me tocou...

" Algumas pessoas olham pela janela e vêem as rosas murchas e ficam tristes.
Outras pessoas olham pela janela, vêem as roas murchas e ficam felizes... são capazes de ver a semente."

" É preciso ser especial para entender o que significa educar na heterogeneidade. Na verdade, todos os alunos são sempre especiais e todos são carentes de afeto, de atenção, de amor."

" Educar é possibilitar ao outro as condições necessárias à transcendência, à superação de suas limitações, à concretização dos seus ideais, à realização dos sonhos. Educar é criar impulsionar e capacitar para a vida. É conceder ao outro a aquisição de saberes essenciais a uma existência digna e promissora.
Das primitivas e milenares histórias de amor aos grandes sucessos tecnológicos do novo milênio, sempre há a figura do professor. São fundamentais essas criaturas, e não importa se ganham a fama e o reconhecimento geral ou se permanecem no anonimato da vida nos rincões afastados , todas praticam a saudável premissa de acreditar na semeadura e na colheita.
[...] Se há no mundo alguns magoados que vivem de lamúrias, que reclamam a cada novo amanhecer porque nem tem olhos para contemplá-lo... se há no mundo alguns magoados que vivem de queixumes clamando contra tudo e todos - há no mundo inquietos, pessoas que acreditam na própria luz e que iluminam. Trabalham, rompem os obstáculos e se lançam no horizonte que podem construir."

Espero que gostem da sugestão de leitura!

EDUCAR É PRECISO!!!! Sim, antes de mais nada EDUCAR a nós para depois EDUCAR o outro.

Abraços a todos.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Razões para tirar um filho de uma escola Waldorf – Parte 1

vestibular Penso que os argumentos contra um aluno fazer o ensino médio em uma escola Waldorf sejam os seguintes:

- As escolas Waldorf não preparam para os exames vestibulares.

- As escolas Waldorf dão mais ênfase a matérias não científicas.

- As escolas Waldorf não preparam os alunos para enfrentar o mercado de trabalho.

- As escolas Waldorf apresentam um ambiente irreal.

Exame dos argumentos

1) A questão dos exames vestibulares

A primeira consideração que se deve fazer é que esses exames são uma realidade, mas são absurdos. Depois de ter experiência de ensino universitário na USP desde 1964 considero que o resultado do vestibular não tem quase nada a ver com o desempenho do aluno na faculdade. Em outras palavras, passar um vestibular não é garantia de que o jovem será um bom aluno na universidade. Pior, não é em absoluto garantia de que ele será posteriormente um bom profissional. A única coisa que um vestibular garante é que o jovem que o passou sabia responder as perguntas específicas daquele exame melhor do que outros jovens. É praticamente garantido que, passados alguns meses sem a continuidade do preparo para o exame, o desempenho será totalmente diferente, isto é, muito pior. Também é praticamente garantido que os professores universitários não passariam um vestibular concorrido sem que se preparassem para ele. Em outras palavras, o conhecimento necessário para passar um vestibular é momentâneo e não tem quase nada a ver com a vida acadêmica e profissional posterior.

Se uma escola é especializada em preparar para vestibulares específicos, ela se torna também um absurdo. O que o jovem deve ter é uma formação geral, e não uma formação específica. Mas formação geral significa o desenvolvimento global em conhecimento, em maturidade e em capacidade em três áreas absolutamente fundamentais: as áreas intelectual, artística/artesanal e social. Para os exames vestibulares, apenas o desenvolvimento intelectual é essencial; com um bom desenvolvimento nessa área, um semestre ou dois de cursinho preparatório razoável colocam dentro de qualquer faculdade qualquer aluno com capacidade de estudo.

Por que as outras duas áreas, a artística/artesanal e a social são essenciais? Acontece que o ser humano não é só intelecto. A atividade artística está relacionada com dois aspectos fundamentais: a sensibilidade artística, isto é, para com o belo, e a capacidade criativa. Criatividade é baseada em fantasia, isto é, ter novas ideias, e na capacidade de concretizá-las no mundo real. Ora, fantasia tem que ser desenvolvida e exercida em um ambiente mal definido, como é justamente o ambiente sobre o qual se exerce qualquer atividade artística, contrariamente ao ambiente científico ou intelectual apresentado aos alunos nesse nível. Em geral, os professores de ciências tendem a passar uma imagem de conhecimento absoluto da ciência. Por exemplo, pergunto aos meus leitores: quantos de vocês aprenderam no ensino médio que um átomo não é um sistema planetário, com os elétrons girando em torno do núcleo? Como eles têm carga elétrica, a aceleração para mudarem de direção produziria irradiação eletromagnética, com isso eles iriam perder energia e deveriam cair no núcleo em um movimento espiral. Gostaria imensamente de conhecer pessoas cujos professores lhes tivessem ensinado, no ensino médio, que não se sabe o que é um elétron e nem um átomo. Essa imagem de conhecimento absoluto da ciência é extremamente prejudicial, apassivadora (tudo o que o professor diz na aula é transmitido e absorvido como verdade), e produz um intelecto rígido.

Compare-se o tipo de conhecimento intelectual (também usado em outras áreas, como a história, se é que ela é ensinada, se não é pedida no vestibular), com o de uma arte como o teatro. Dado um texto teatral, ele pode ser interpretado com entonações de voz e com gestos de infinitas maneiras diferentes, o que é denominado de ‘subtexto’, pois não consta explicitamente do texto. Na atuação numa peça teatral nada é rígido, tudo tem que ser imaginado e interpretado. Essa imaginação e essa liberdade simplesmente não existem no aprendizado de matérias intelectuais onde, seguindo os passos da ciência, procura-se formalizar tudo. Com isso, cria-se um modelo da natureza simplificado e, portanto, absolutamente irreal, pois a realidade é extremamente complexa. Toda ciência, ao ser expressa conceitualmente, tem que necessariamente simplificar a realidade, isto é, afastar-se dela. Pode ser que o ensino universitário também seja mentalmente castrador, e não dê margem para a criatividade, o que é muito comum. No entanto, o que é importante na posterior vida profissional é justamente a criatividade, precisamente aquilo que a atividade artística desenvolve. Uma outra consequência da atividade artística é que a sensibilidade assim desenvolvida leva a uma sensibilidade social pois, como nas artes, o ser humano também é mal definido e imprevisível.

Ter sensibilidade social significa perceber as necessidades e capacidades das pessoas e conseguir dirigir-se a cada uma individualmente segundo as suas características. A habilidade de atuar em equipe e de liderar, e até mesmo o convívio social depende totalmente dessa sensibilidade. Mas há outra característica social fundamental: a compaixão, isto é, a capacidade de compartilhar o sofrimento do outro. Infelizmente, há dois fatores que produzem uma trágica dessensibilização, impedindo a manifestação da compaixão: a competição e os meios eletrônicos. Competição é absolutamente antissocial: quem ganha fica contente, às custas da frustração e mesmo infelicidade de quem perde. Produzir essa frustração e ficar contente em ter ganho a competição significa dar mais valor à felicidade pessoal do que ao sofrimento do outro. Quem compete não pode ter dó do concorrente. Assim, a competição desenvolve o egoísmo, que é altamente antissocial. O próprio vestibular é uma competição, e seria muito bom que o jovem se conscientizasse o mais tarde possível de que a sociedade é cruel e competitiva. A propósito, a própria vida vai ensinar a competir: não há, em absoluto, necessidade de se ensinar isso na escola, pelo contrário, o que precisamos é o ensino da cooperação. Somente uma sociedade cooperativa poderá reverter a crescente miséria social e individual, fruto do egoísmo e da ambição.

Howard Gardner (Gardner 1995) e Daniel Goleman (1995) mostraram muito bem que a mais importante habilidade para o sucesso profissional não é a técnica, e sim a social. Em particular, Gardner chama a atenção para o fato de as escolas desenvolverem principalmente o que ele denominou de "inteligências lógico-matemática e linguística", as quais ele caracteriza como as menos importantes para um sucesso profissional. A "inteligência emocional" de Goleman (correspondendo à "interpessoal" de Gardner) nada mais é do que o conjunto das habilidades sociais.

Quanto aos meios eletrônicos, a TV e os jogos eletrônicos transmitem uma quantidade enorme de ações antissociais, como por exemplo a violência, sendo que os segundos são muito piores do que a primeira, pois neles não existe condicionamento apenas pela imagem e pelo som, mas também pela ação executada pelo jogador (os jogos mais apreciados, principalmente pelos jovens, são os do tipo ‘mata-mata’). A escola deveria ter hoje em dia uma missão fundamental, muitíssimo mais importante do que o conhecimento teórico que é transmitido: justamente contrabalançar essa dessensibilização fazendo com que os jovens adquiram sensibilidade social e compaixão.

As escolas Waldorf não preparam para os exames vestibulares. Ainda bem! Assim elas podem dar uma formação ampla, intelectual, artística e social, produzindo jovens equilibrados e não pernetas com uma só perna intelectual. No entanto, como mostra tão bem o levantamento estatístico feito por Wanda Ribeiro e Juan Pablo de J. Pereira (Ribeiro, 2007), os alunos Waldorf não têm dificuldades em passar nos vestibulares; certamente os mais concorridos exigirão um semestre ou um ano de cursinho, mas o tipo de ensino daquelas escolas produz um tal desenvolvimento intelectual e uma tal capacidade de concentração e firmeza de objetivos que facilita enormemente o aprendizado compacto do cursinho. O estudo citado mostra também várias características interessantes dos ex-alunos Waldorf. Um outro trabalho nesse sentido é o de Douglas Gerwin e David Mitchell (Gerwin 2007), sobre ex-alunos Waldorf nos EUA. Todos os levantamentos feitos com ex-alunos Waldorf mostram vidas acadêmicas e profissionais posteriores muito boas, praticamente sem problemas de adaptação.

Alguns pais poderiam dizer: "Mas eu não quero que meu filho perca um ano de cursinho!" Acontece que não há nenhuma vantagem em entrar cedo numa faculdade. Pelo contrário, um ou dois anos de espera significarão uma enorme maturidade nos objetivos e na capacidade de estudo. Infelizmente nosso ensino universitário é excessivamente especializado profissionalmente; o ideal seria que todas as universidades tivessem um ou dois anos de ensino básico, e que os alunos pudessem escolher sua especialização profissional quando estivessem mais maduros.

O preparo para um vestibular concorrido significa um esgotamento mental. Se isso for feito durante todo o ensino médio, o aluno entrará na faculdade intelectualmente exausto. Quanto menos ele tiver que se preparar para essa experiência traumatizante, melhor.

Uma pergunta muito interessante é a seguinte: se as escolas Waldorf são independentes, cada uma adotando suas próprias características, por que nenhuma das inúmeras brasileiras (ver o diretório de escolas Waldorf já citado) prepara para o vestibular? Na Alemanha, por exemplo, não há um exame assim, mas há um exame de estado parecido com o ENEM, mas muito mais amplo, e cujo resultado é usado pelas faculdades para selecionar seus alunos, o ‘Abitur’. Pois bem, as escolas Waldorf alemãs terminam o ensino médio, na 12a série, e oferecem um 13o preparatório para o Abitur. Assim, elas podem concluir na 12a série o grandioso currículo introduzido por Rudolf Steiner, que visa o desenvolvimento harmônico do jovem em todos os sentidos. As escolas Waldorf não preparam para o vestibular, pois isso tomaria quase todo o tempo de ensino e do aluno, e seria introduzir uma unilateralidade extremamente prejudicial à formação harmônica dos jovens, produzindo pernetas intelectuais, cabeças ambulantes com pouco ou nenhum coração e sem força de vontade para a ação. Mas não sou contra as escolas Waldorf, por iniciativa dos pais, e administrado essencialmente por estes, introduzirem um cursinho dentro da escola, a ser frequentado pelos alunos formados que querem se preparar para um vestibular. A grande vantagem disso seria, por exemplo, equilibrar um pouco o necessário ensino exclusivamente intelectual, com algumas atividades artísticas. Além disso, poder-se-ia dar ao jovem um ano a mais de um ambiente social sadio.

Valdemar W. Setzer

No próximo post virá o exame do argumento seguinte.

Fonte: http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/tirar-de-waldorf.html

Imagem: pedrovaladares.wordpress.com

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Carta de um professor desiludido

bagunça Se a educação, de um modo geral e não apenas a oferecida pelas escolas, não mudar, este país está perdido. Este é um depoimento real de um professor dos nossos dias que retrata perfeitamente o que a maioria dos professores tem de aturar em sala de aula e de pais de alunos.

Professores, uni-vos, façam alguma coisa!

Caro Juremir!

Meu nome é Maurício Girardi. Sou Físico. Pela manhã sou vice-diretor no Colégio Estadual Piratini, em Porto Alegre, onde à noite leciono a disciplina de Física para os três anos do Ensino Médio. Pois bem, olha só o que me aconteceu: estou eu dando aula para uma turma de segundo ano. Era 21/06/11 e talvez pela entrada do inverno, resolveu também ir à aula uma daquelas alunas “turista” que aparece uma que outra vez para “fazer uma social”. Para rever os conhecidos.

Por três vezes tive que pedir licença para a mocinha para poder explicar o conteúdo que abordávamos. Parece que estão fazendo um favor em nos permitir um espaço de fala. Eis que após insistentes pedidos, estando eu no meio de uma explicação que necessitava bastante atenção de todos, toca o celular da menina, interrompendo todo um processo de desenvolvimento de uma idéia e prejudicando o andamento da aula. Mudei o tom do pedido e aconselhei aquela menina que, se objetivo dela não era o de estudar, então que procurasse outro local, que fizesse um curso à distância ou coisa do gênero, pois ali naquela sala estavam pessoas que queriam aprender e que o Colégio é um local onde se vai para estudar. Então, a “estudante” quis argumentar, quando falei que não discutiria com ela. Neste momento tocou o sinal e fui para a troca de turma.

A menina resolveu ir embora e desceu as escadas chorando por ter sido repreendida na frente de colegas. De casa, a mãe da menina ligou para a Escola e falou com o vice-diretor da noite, relatando que tinha conhecidos influentes em Porto Alegre e que aquilo não iria ficar assim. Em nenhum momento procurou escutar a minha versão nem mesmo para dizer, se fosse o caso, que minha postura teria sido errada. Tampouco procurou a diretora da Escola. Qual passo dado pela mãe? Polícia Civil! Isso mesmo, tive que comparecer no dia 13/07/11 na oitava delegacia de polícia de Porto Alegre para prestar esclarecimento por ter constrangido (?) uma adolescente (17 anos), que muito pouco freqüenta a aula e quando o faz é para importunar, atrapalhar seus colegas e professores. A que ponto que chegamos? Isso é um desabafo.

Tenho 39 anos e resolvi ser professor porque sempre gostei de ensinar, de ver alguém se apropriar do conhecimento e crescer. Mas te confesso, está cada vez mais difícil. Sinceramente, acho que é mais um professor que o Estado perde. Tenho outras opções no mercado. Em situações como essa, enxergamos a nossa fragilidade frente ao sistema. Como leitor da tua coluna, e sabendo que abordas com freqüência temas relacionados à educação, te peço que dediques umas linhas a respeito da violência contra o professor.

Parabéns pelo teu trabalho e um grande abraço!

Maurício Girardi

Fonte: http://www.cpers15nucleo.com.br/index.php?id=art892

Imagem: leilacordeiro.blogspot.com

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O sorriso dos professores e professoras

 

José María Toro

CriancaSorrindo O sorriso de uma criança que está feliz na escola não tem preço. O sorriso de um professor que é feliz na escola .... isso tampouco tem preço.

O sorriso deve ser considerado um elemento tipicamente escolar, tais como livros, cadernos, lápis e quadros negros. Hoje, talvez mais do que nunca, é preciso devolver o sorriso para os rostos de meninos e meninas e ao semblante de seus professores.

A presença ou não de sorrisos é um dos mais fiéis e sensíveis barômetros para medir o nível de pressão (ou opressão) na atmosfera de una classe. O sorriso é um termômetro preciso que reflete a calidez ou frialdade do encontro humano no qual se mantém um determinado modo de intervenção pedagógica. O sorriso marca nas faces de alunos e professores, de pais e filhos, qual é a temperatura com que se cozinha o processo educativo.

Nossas classes podiam ser entendidas, consideradas e vividas como um campo de cultivo de sorrisos. Fui reconhecendo que, como professor, estava chamado a ser, em certo modo, um semeador de sorrisos, um cultivador de alegrias. Por isso procurava que o primeiro que encontrassem as crianças cada manhã, ao começar uma nova jornada escolar, fosse meu sorriso. Esta era, conscientemente, minha primeira atividade ou lição do dia: a energia do sorriso, o presente do sorriso, a arte de sorrir, mas, sobretudo, o direito ao sorriso.

O sorriso é também uma energia que é preciso atender, enfocar, ativar e cultivar.

O sorriso constitui um extraordinário alimento que há de estar presente e servir-se à mesa de cada dia. É um remédio que atua de maneira fulminante e eficaz, é a vitamina por excelência para nosso coração.

O sorriso aplaina e abre o caminho para chegar aos demais e nos abre suas portas. Desenhar um sorriso no momento do encontro é como dizer: Aqui estou! Quem devolve o sorriso não está senão respondendo: “Passa e entra”. O sorriso põe a chave e abre a porta.

Eu presenteava a meus alunos meu sorriso e eles o devolviam multiplicado. E fomos polindo-os, limpando-os, distinguindo-os desses outros sorrisos moldados pela malicia, sarcasmo, cinismo, mordacidade ou acritude.

Quando um menino ou uma menina sorria ante minha presença sentia que com ele ou ela era toda a Criação, o Universo inteiro o que se regozijava em seu sorriso.

Cada vez que sorria a uma criança lhe estava dizendo: “Gosto de estar aqui”.

Cada vez que uma criança me sorria estava dizendo-me: “Sou feliz estando aqui e contigo”.

Esta é uma das máximas felicidades deste trabalho: escutar como cantam e como riem as crianças que se vão depois de haver passado toda uma manhã contigo.

(Extraído do livro “Educar con Co-razón”. Editorial Desclée)

José María Toro é professor de ensino primário e especialista em criatividade, técnicas de estudo e em distintos âmbitos da Expressão e Comunicação. Autor e palestrante.

Fonte: http://www.enpaz.com/modules.php?name=News&file=article&sid=390

Imagem: camaqua.rs.gov.br